sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Atalhos corporativos

Eu trabalho numa grande empresa, com todas as características de corporação que vemos retratadas em filmes, séries, tirinhas. A vivência nesse tipo de ambiente serve para tornar essas sátiras bem mais interessantes. Adoro o The Office, série que passa no FX e morro de rir com o Dilbert. Mas é curioso notar que, às vezes, a vida real pode ser mais engraçada (ou irritante, ou absurda) que a ficção.

Na minha grande empresa prezam-se sobremaneira os procedimentos. O Padrão Operacional é tudo, rege sobre o mar e a terra. Mas os longos braços das instruções normativas não alcançam tudo, deixando alguns espaços vazios na vida corporativa. Engenheiros e contadores enlouquecem nessas situações. E a minha grande empresa foi construída por (e para) engenheiros.

Em julho, nos mudamos para o novo prédio administrativo. Maravilha da arquitetura, amplos espaços de circulação, jardins de inverno com teto de vidro, inovações ergonômicas por todos os lados. Mas na hora de ocupar, surgem os problemas. Nas salas, a altura das divisórias que cercam as mesas (as ‘estações de trabalho’) era superior à altura da maçaneta das janelas. O resultado é um camarada ajoelhado em cima da mesa para abrir a persiana. Além disso, o layout do projeto previa todo mundo no mesmo ambiente, costas voltadas uns para os outros e monitores à mostra de todos. Um moderno conceito de compartilhamento de espaço, execrado por todos os chatos que gostam da velha privacidade, seja pra redigir contratos sigilosos, jogar tetris ou ler blogs falaciosos.

Quando os colegas da minha gerência, alguns meses atrás, perceberam essa irritante característica da sala, começaram uma batalha épica contra os padrões e procedimentos. Como de hábito, ainda mais numa empresa de engenheiros, a gerência de comunicação, onde trabalho, é conhecida como um setor nada enquadrado. Mas nós tentamos os caminhos tradicionais. Solicitações por escrito, reuniões sobre o assunto, longas deliberações. Durante a fase de planejamento, na consolidação do projeto, no momento da implantação. Tudo tiro n'água.

Mas na hora da montagem das salas, não existiam engenheiros nem gestores no prédio novo. Todos estavam ocupados com as mudanças dos seus departamentos. Na comunicação, uma comissão indicada para uma última tentativa. Tive a honra de integrar esse grupo de trabalho. A sala nova foi fechada, ocupada apenas pelos montadores, sujeitos simples contratados apenas para essa tarefa, não conhecedores da empresa, incapazes de diferenciar o PV do Gerente Geral. Momento perfeito para o início das operações. Com pose decidida e segura, comecei passando ordens confusas e em um tom levemente autoritário. Eu levava na mão um desenho técnico (na verdade, uma ampliação escaneada do projeto, alterada toscamente no Microsoft Picture Manager, aquele programinha de segunda que vem com o Windows). Com a expressão carregada, interrogava os infelizes. "Por que está sendo montado desse jeito?", "Quem alterou o projeto?". Os montadores trocavam olhares aparvalhados.

Os dois colegas que me acompanhavam partiram para o ataque, no mesmo estilo patrola. Abraçaram duas divisórias e começaram a girá-las. Sempre com muita falação, olhares sérios, comparações com o "projeto". Os rapazes agora estão confusos. Hora da primeira leva de bonés e camisetas promocionais. Um deles toma coragem. "Na verdade, a gente precisava de autorização do seu Valdemar". Eu fico em silêncio. Com um olhar compreensivo, peço para ele aguardar um momento.

Aí veio o golpe de mestre, um daqueles momentos que, quando lembrado, vai sempre encher meu coração corporativo de orgulho. Eu e um colega, desses com 25 anos de empresa e uma intocável aura de respeitabilidade, vamos até o Valdemar. O homem tá atolado, umas vinte salas em montagem, o cronograma da mudança atrasado. Um sujeito e tanto, o Valdemar. No crachá, se lê 'capataz'. Isso mesmo, o cara não é engenheiro, nem planejador.

- Valdemar, no espaço entre as duas baias do centro não cabe a impressora nova. A segunda baia tem que recuar um pouquinho.
- Mas tem espaço pra impressora no projeto.
- É, mas para a impressora antiga, a nova é maior.

O Valdemar sabe que nós trocamos de impressora. Ele até fez umas cópias das fotos no último churrasco.

- Tem espaço no fundo? Pede pro rapaz que tá lá ajeitar.
- Ele disse que precisa de ordem sua.

Prendendo a respiração, assistimos, de dentro da sala, o Valdemar passar correndo, enfiar a cabeça pela porta. "Faz a alteração que eles indicaram, não tem problema". Nós nos oferecemos para dar uma mãozinha. Depois de resolver umas questões relativas à passagem de cabos elétricos e de rede, processo agilizado pela farta distribuição de mais bonés e camisetas (e umas canetinhas 'dessas de metal'), nos instalamos. É a única sala de todo o prédio que tem um layout diferente, para a gerência que detém o recorde de uso de internet (tanto no tempo como nos megabytes). Na primeira visita, os engenheiros sempre torcem o nariz, mas sabem que, na real, é muito complicado autorizar uma modificação agora.

Um comentário:

Alvaro Bueno disse...

eu ia comentar aqui, mas ficou muito grande. transformei em post.