segunda-feira, 21 de maio de 2007

Carta aberta pela valorização da palavra “amigo”

Esse blog não tem foto da Ellen Roche, mas me encho de alegria cada vez que o acesso. Graças à ele, tenho a possibilidade, ainda que virtual, de reviver um passado recente, coisa de 7, 8, 10 anos atrás (ok, retiro o “recente”). Tempo em que o encontro promovido aqui com o Cecconi, o Álvaro, o PV e o Café acontecia ao vivo no pátio da Fabico. Se o Criador não os abençoou na parte de fora, tenho certeza que guardou tudo para a parte de dentro. Sinto-me honrado de voltar a trocar idéias com mentes tão brilhantes como a destes caras. Enquanto muita gente pagava mensalidade por uma sessão de abdominais na academia, as piadas deles me faziam voltar pra casa com dor na barriga de tanto rir. Sem custo algum.

Estar em contato com eles já cria, na minha cabeça, um padrão de exigência para a palavra “amigo” bastante difícil de ser superado. Tanto que me revolto ao observar as tentativas de uso dela que existem por aí.

Por exemplo. Todo mundo conhece o tipo. Veterana da noite, trinta e lá vai pedrada, fica toda feliz quando o segurança pede a identidade na porta do Roseplace. Afinal, na sua mente vazia ecoa a idéia de que duvidaram que ela era maior de 18. É sua vizinha, e só a presença dela no edifício já contribui para a desvalorização do seu imóvel. Pois bem. Você ali, tentando pegar no sono na noite de quinta-feira e ela fazendo barulho com o salto carcomido no corredor, o pé que é um leque pra sair na rua, falando alto com a companheira de caçada:

- Tu sabe o Vaguininho né? O que toca tan-tan na Bons Vivants do Pagode? Pois é...é meu amigo...

Com todo o respeito, minha filha, mas amigo é o cacete. Usar tua cortina para higiene pessoal, após ato libidinoso com a tua participação, não é sinal de amizade. Prometer tocar “Parabéns à você”, versão pagode, num churrasco no meio do Parque da Harmonia que jamais sairá, não é sinal de amizade. Dizer que tu é a mãe ideal para o oitavo filho dele, e que já imagina todo mundo junto na mesma casa no Portoverde, não é sinal de amizade. Até porque, minha filha, amigo não costuma fazer visita ao teu apartamento no mesmo horário que eu assisto o Bom Dia Rio Grande.

Acontece também a deteriorização da palavra “amigo” no segmento dos vendedores de carros usados. É óbvio que há os honestos. Mas a maioria é conhecida pelo nome daquela ferramenta utilizada no trabalho dos mineradores e popularizada pelos serial killers. E é como uma pepita de ouro, mas sempre querendo teu fígado, que esses sujeitos te enxergam. Para conseguir seu intuito, abusam de expressões desprovidas de qualquer credibilidade, como “Meu bruxo”, “Meu grande” e “Meu bom”. E cometem também o uso de “Meu amigo”, jogando-o numa vala comum. Não ficam vermelhos ao oferecer um carro com fábrica no Rio Grande do Sul. Que Celta que nada: é um arremedo de Brasília, Fusca e Variant, confeccionado em algum ferro-velho da Grande Porto Alegre. Sinto pena dos desavisados que sucumbem à lábia Mike Tyson desses “amigões”: quando você vai ver, já foi.

“Amigo” denota estima e apreço. Consideração e importância. Uma certa dose de intimidade (mas vê lá que intimidades são essas, hein?). Chamar alguém assim é o mesmo que assinar um contrato dizendo que você vai estar lá presente empurrando o carro atolado (aquele fabricado no RS) no meio da Transamazônica, bem perto da tribo de ianomâmis canibais. Que vai agarrar aquele monstro, única piloto mulher da fórmula Truck, só porque ele se deu bem e pegou a amiga bonitinha. Que você não vai contar pra ninguém – embora vá morrer de rir sozinho - o segredo confiado de que ele tatuou uma Betty Boop no cócsis e agora está arrependido.

Pela sinceridade nas relações e pelo uso adequado dos vocábulos da língua portuguesa, cuide quando você for usar essa palavra, amigo leitor. Quer dizer, por enquanto, só leitor. Pelo menos até eu saber quem você é direito.

3 comentários:

Alvaro Bueno disse...

gustavo, belo texto. e o legal é que não precisou citar nenhum nome nos exemplos e ninguém desconfiará da tatuagem do PV.

ELMO disse...

Álvaro, se eu tatuasse a betty boop no meu cócsis, a bicha ia ficar mais parecida com o Ursinho Puff...

Gustavo, que delícia de texto. Tuas metáforas esdrúxulas e referências cheias de ternura lembram demais aqueles dias de convivência, com pouca grana e muitas gargalhadas.

E é verdade mesmo. Hoje, qualquer um usa essa palavra sem qualquer sentido. Os verdadeiros estão aí.

Alvaro Bueno disse...

(...)lembram demais aqueles dias de convivência, com pouca grana(...)

que beleza é a vida de trabalhador de estatal.