domingo, 1 de julho de 2007

Pérolas e porcos

Não se deve desperdiçar pérolas com os porcos. E mesmo feijão com arroz deve ser feito da forma certa.

Acho de um sem propósito absoluto essa discussão que tomou conta do blog sobre objetividade absoluta e espaço para new journalism (novo apenas nos anos 40). Como sempre vemos, mas parece que pouco aprendemos com isso, todas as ditaduras têm pés de barro muito macio. A ditadura de achar que o jornalismo objetivo é o único possível é tão perniciva quanto achar que o jornalismo literário, por alguma razão mágica que me escapa, é a solução para o que quer que apontemos como problemas presentes nas redações de jornais atualmente.

Adotar o jornalismo literário não vai resolver a falta de boas pautas, não vai melhorar a qualidade de repórteres e editores, muito menos melhorar a relação entre eles. E não acredito que pudesse aumentar a tiragem dos jornais.

Quando leio uma nota sobre como foi o dia da Bolsa de Valores ontem, não quero saber do investidor de 67 anos que queria pagar a festa de casamento da filha e mandar o jovem casal para uma lua-de-mel inesquecível no Taiti, mas perdeu tudo e se matou de desgosto. Nem sobre o jovem arrogante com um pequeno defeito na perna que depois de ter penado a infância inteira com as zombarias dos amiguinhos, deu uma tacada decisiva e comprou no mercado o controle da empresa em que ele havia começado a trabalhar como estagiário apenas sete anos antes. Eu quero saber se as ações subiram ou caíram. E quanto dinheiro eu posso ter perdido ou ganho nessa brincadeira.

Na verdade, eu dificilmente leio uma notícia sobre a Bolsa no dia seguinte. Já li tudo de que eu precisava ao vivo pela internet.

Eu aprendi que repórteres são bons não pela qualidade de seus textos, mas pela capacidade de cultivar boas fontes e apurar grandes histórias. (E ninguém me disse isso na faculdade.)

Só para citar dois casos concretos com quem trabalhei e deixar o texto menos opinativo: Roberto Cosso, ex-Folha de S.Paulo e atualmente comandando o site Última Instância; e Fausto Siqueira, ex-Estadão.

O Cosso cobria o Maluf durante 2002, quando todos os jornalistas do país estavam ocupados com as eleições para a Presidência. Eu era redator e tinha de reescrever inteiramente os textos truncados, as frases sem verbo e as idéias sem conexão do Cosso. Ele encontrou a até hoje negada conta no exterior da família Maluf. Uma conta nos Estados Unidos sob o código Beacon Hill. A operação Farol da Montanha da Polícia Federal e do Ministério Público veio daí.

O Fausto veste sempre calça jeans (a mesma) e uma camiseta Hering branca. Tem apenas um casaco de terno que ele pegou emprestado na TV Educativa para participar de um Roda Viva e foi embora sem devolver. O sonho dele e conseguir juntar R$ 1 milhão na poupança para poder se aposentar (e está quase conseguindo!).

Esse cara detonou a investigação contra o Judiciário estadual de São Paulo, naquilo que depois ganhou o nome de Operação Anaconda. Colocou juízes, promotores e um delegado da Polícia Federal atrás das grades.

Os dois escreviam (no caso do Cosso tentava escrever) com a maior objetividade possível. Duvido que tenham pensado em escrever alguma das histórias deles partindo do ponto de vista de um dos pobres que moram embaixo do Minhocão ou de alguém julgado pelo juiz Rocha Mattos. E eram geniais repórteres.

Não adianta querer escrever jornalismo literário sem o material próprio para isso. Jornalistas estão aí para prestar um serviço. São prestadores de serviço, embora isso seja às vezes muito difícil de entender. E o serviço é informar o mais clara, objetiva, correta e rapidamente possível. É isso que eu quero quando acesso a internet ou abro um jornal. Sem frescuras.

É a questão tão cultivada já foi resolvida. Todos nós consumimos livros reportagem. Aí sim está o espaço propício para uma grande história ser desenvolvida e contada como ela merece. É através deles que elas serão preservadas. Se os currículos das faculdades fossem alterados talvez pudéssemos ter cadeiras de Livros Reportagem ou Jornalismo Literário.

Não se deve desperdiçar pérolas com os porcos. E mesmo feijão com arroz deve ser feito da forma certa.

Um comentário:

Tiago Ornaghi de Aguiar disse...

Só para fechar: Já havia mostrado o outro lado da moeda num post anterior.
http://falaciasfelpudas.blogspot.com/2007/05/sobre-caciques-e-ndios-na-redao.html